Escola pública produz jornal escolar e inspira educomunicação

Botucatu/SP, onze horas da noite de algum domingo. Marcela e eu estamos conversando sentadas à mesa, na sua casa já há umas cinco horas. O recesso escolar de meio de ano está prestes a terminar. Sobre as migalhas do lanche da tarde, falamos sobre inúmeros assuntos, até que o sono bateu forte e eu estava prestes a me despedir, quando a Marcela fala: “Eu gostaria de fazer algo diferente e empolgante para as crianças na volta às aulas. Este ano por causa da pandemia, das aulas online e depois a volta às aulas presenciais…, não foi fácil.”

Aí eu pensei um pouco e disse: “porque você não incentiva os alunos a fazer um jornal da escola? Toda semana eles podem escrever notícias sobre a comunidade escolar, sobre os acontecimentos dentro da escola e, ainda, você pode fazer um resumo de conteúdo para eles, sobre o que já foi aprendido.” Nesse momento a Marcela me assustou, deu um pulo da cadeira e saiu correndo em direção ao quarto para pegar caderno e caneta.

Ela estava vibrando de alegria, começou a pensar em mil ideias para colocar no jornal da escola, seu olhar brilhava enquanto ela falava imaginando a emoção e alegria das crianças ao participarem desse projeto e, como isso serviria para impactar a vida de toda a escola e os professores. Sua emoção era tão grande e positiva que me contagiou.

O desânimo pelo sono do momento passou em um passe de mágica e a Marcela virou pra mim com o caderno e caneta em mãos: “Como vamos chamar o jornal?”  Pensei em um ou dois nomes que não me vem à mente agora. De repente me lembrei da minha bolacha recheada favorita… Que tal TRAKINAS? Afinal, criança é traquina mesmo!

EMEFEI. Angelino de Oliveira: a participação da comunidade escolar

A educomunicação é uma maneira de alfabetizar os estudantes para compreensão das mídias, visando ver, refletir e criticar os meios de comunicação existentes. Resumidamente, o autor Alexandre Sayad explica em seu livro “Idade Mídia: a comunicação reinventada na escola”.

(Ed. Aleph, 2011.)

Veio a segunda-feira, Marcela me surpreendeu com a notícia que o layout do jornal já estava pronto e ela mal podia esperar para se reunir com os professores e a direção da escola para apresentá-lo, pois a aprovação da comunidade escolar é fundamental para o projeto ser executado. A equipe do colégio Angelino de Oliveira é reconhecida na cidade por se expressar de maneira inovadora, sempre respeitando as diretrizes de ensino municipal. Por isso, esteve presente na escola as supervisoras escolares Daniele Souza e Denilde Maria Vivan para conferir o projeto de perto e ver o impacto no cotidiano das crianças.

Daniele, que no passado foi professora no Angelino, falou sobre a importância do jornal para a escola: “Para comunidade escolar é algo muito importante. Porque a gente vê os envolvimentos dos alunos, a gente vê a importância para eles de uma atividade dessa, onde todos estão envolvidos, né? A gente vê que realmente uma atividade dessa tem algo significativo pra eles, acho que é isso que é importante para aprendizagem das crianças.” Afirma Daniele, após acompanhar uma aula na sala do 1º ano D.

Já para a supervisora escolar Denilde o projeto do jornal é uma forma de promover um elo entre a escola e as famílias dos estudantes: “A importância da criatividade do projeto do jornal TRAKINAS na escola é uma integração da escola com as famílias, mostrando o trabalho que é realizado no cotidiano das crianças e que não fica só permeia as paredes da escola, mas sim ele tem uma continuidade dentro dos lares para que os pais possam estar acompanhando os seus filhos. Para a criança o jornal é um meio de comunicação muito sério, porque hoje a mídia é um meio de comunicação importante para todos.” Pontua Denilde, que se mostrou encantada com o entusiasmo das crianças frente ao projeto.

Ao ser aprovado na escola o jornal TRAKINAS teve o apoio da direção e os professores, imediatamente viram a importância de ensinar aos estudantes a trabalhar o consumo da informação nas mídias, pela relação com todo o conteúdo prático que eles já haviam aprendido na escola. “Os professores foram convidados a participar do jornal, com atividades que desenvolvem em sala de aula e que possam contribuir na aprendizagem dos alunos.” Explica a professora do 1º ano D, Marcela Fernanda, quem idealizou o projeto.

Aos poucos o jornal TRAKINAS ganhou contornos e sua primeira edição foi publicada em 19 de agosto pela internet, na plataforma FLIPHMTL5, um tipo de “estante virtual” que suporta arquivos em PDF e os exibem como revistas digitais. O jornal TRAKINAS é composto pelas editorias: entrevista, cultura, arte, artigo de opinião, educação infantil, tecnologia, culinária, curiosidades, literatura, economia, esportes, agradecimento e uma página de passatempo.

E, ainda, traz como destaque nessa primeira edição, uma entrevista com Patrícia Regina, funcionária municipal que se descobriu artista, pintando escolas, há dois anos. E, também, uma página para homenagear o “Tio Irineu”, um senhor muito bondoso que se aposentou de suas atividades na escola. Ao todo o periódico conta com 15 páginas, foi publicado online e pode ser acessado pela Estante Digital “Mazinha Btu”.

Entrevista com a prof(a). Marcela Fernanda

 K.S- Como foi feita e quem participou da organização do jornal?

M.F. A organização foi feita por assuntos que estavam acontecendo na escola no momento, como a pintura, que deu origem a entrevista, que foi um conteúdo trabalhado no 1° semestre, o mês do folclore e depois a escolha de uma receita simples que poderia ser feita em sala de aula. A partir dela, o jornalzinho passou a ser em parte temático.

Os professores gostaram do projeto e alguns prontamente se colocaram para contribuir com notícias para o nosso jornalzinho, enviando fotos, escrevendo sobre algum assunto.

K.S- Quais salas estão envolvidas nessa primeira edição?

M.F. Nessa primeira edição estão envolvidos os alunos do 1° ano D.

Etapas I e II, com fotos ilustrativas sobre as brincadeiras. a aluna Isabelli do 4° ano.

K.S- Qual a sua principal motivação para produzir o jornal TRAKINAS?

O que me motiva é a variedade de assuntos que podem ser desenvolvidos e explorados em cada edição.

K.S- Como produzir o jornal escolar pode estimular a criticidade de crianças tão jovens?

M.F. Os alunos são bastante críticos, eles sabem opinar e questionar e querem saber qual a razão das coisas acontecerem de determinada forma. Por esse motivo, devemos incentivar essa criticidade e a pluralidade de pensamento e de visão de mundo.

K.S- Qual a faixa etária de seus alunos?

Meus alunos têm entre 6 e 7 anos.

K.S- Como é a relação das crianças dessa faixa etária com as notícias?

M.F. Eles são muito tecnológicos, trazem assuntos que ouvem ou assistem nos meios de comunicação o tempo todo. Em muitos momentos, querem saber onde fica um determinado país por causa da guerra, significados de palavras por causa do contato com outras culturas, um fenômeno natural que tenha ocorrido e foi falado em suas casas. As notícias estão presentes no dia a dia deles, mesmo nessa faixa etária. 

K.S- Como você enxerga o interesse dos alunos pelo jornal e vê o futuro do projeto na escola Angelino de Oliveira?

M.F. Os alunos se interessaram pelo projeto do jornal escolar, não conheciam, ficaram interessados pelos assuntos, queriam participar das entrevistas, tirar fotografias, apresentar o conteúdo dele para os outros alunos. Isso foi um impulso para a realização do jornalzinho.

Espero que no futuro tenhamos várias edições do TRAKINAS na escola e que professores, alunos e outros profissionais que trabalham na escola possam colaborar com esse projeto.