A viagem no tempo
Era passado das 23 horas da noite, quando o smartphone toca, sobre a mesinha da cabeceira da cama. Algo que não é incomum na rotina de um repórter. Há mais de vinte anos iniciei minha carreira. Sempre curioso e ávido para conhecer histórias fascinantes, já entrevistei do mendigo ao presidente da república, porém nada que eu já tenha ouvido ou visto me prepararia para o que eu estava prestes a descobrir naquela noite.
Aparentemente nervoso e entusiasmado, a voz sussurrava ao telefone:
— Vieira venha já a minha casa, imediatamente, é muito importante. Eu fiz uma grande descoberta capaz de mudar a história da humanidade! Você, meu amigo, é o único em quem confio para dar esta notícia. Venha logo!
Eu estava exausto, sem disposição alguma para sair da cama, o dia na redação do jornal havia sido estressante. Mas antes que eu pudesse me justificar ao telefone, tão logo depois de falar o que queria, ele desligou. Senti uma certa raiva, tinha a opção de não responder o chamado, mas a minha curiosidade não me deixaria dormir.
“MANTENHA A FREQUÊNCIA DOS SEUS PENSAMENTOS POSITIVA E ELEVADA”
Prof. Gargamel
Conheci o professor “Gargamel” pelos corredores da universidade, eu era um jovem sonhador, que acreditava que seria um jornalista, cujo grande feito da vida seria relatar a história cotidiana do Brasil de um jeito diferente dali para frente.
O professor “Gargamel” era um homem de mais de 60 anos, dava aulas de física na universidade e, também, era inventor, apaixonado por física, mecânica, história e tecnologia, ele quase sempre estava se dedicando a alguma de suas invenções. Seu apelido surgiu por brincadeira de seus alunos, pois o professor, que na verdade, chamava-se Domênico Lara, tinha a aparência de um personagem de desenho animado, o qual na óptica dos jovens lembrava um cientista louco, mas boa gente!
Lembro-me que ele preferia a companhia dos alunos do que ficar na sala dos professores, durante os intervalos das aulas. Era um homem muito espirituoso, gostava de conversar, ensinar e aprender com seus alunos, tratava-os com o carinho e a dedicação que um pai dava aos seus filhos. Às vezes, ao final do dia, o professor “Gargamel” percebia que alguns poucos estudantes passavam muito tempo esperando o ônibus a fim de voltar para casa, e ele, gentilmente, oferecia carona. O engraçado disso é que os jovens demonstravam vergonha de pedir ou de dizer sim, quando ele oferecia, então espirituoso como sempre foi, o professor dizia: “Estão com vergonha de quê? Digam se querem ou não carona, é o carro que vai levar. Eu não vou levar ninguém nas costas!” Ao ouvir isso, a turma caía na gargalhada.
-Troquei-me rápido, peguei as chaves do carro e saí, em vinte minutos já estava a tocar a campainha da casa. Dona Idalina foi quem abriu a porta, pedindo-me mil desculpas pelo horário inconveniente.
— Ah! Vieira muito obrigado por ter vindo e respondido o chamado desse “velho louco” do meu marido. Há horas que eu insisto para ele tomar banho e ir dormir, mas ele não sai mais da sua oficina na garagem. Ele só tem olhos para as suas invenções, está obcecado! Às vezes penso que virei viúva de marido vivo, sabe? Queixava-se dona Idalina, casada há 40 anos com o seu primeiro amor, Domênico era seu marido e, às vezes, filho, pois o seu casal de filhos havia há muito tempo saído de casa para construir a própria vida.
Assim que me viu entrar na casa, o professor me puxou pela mão, e às pressas fomos em direção à sua oficina.
— Veja Vieira! Este é o meu invento que vai mudar a compreensão da humanidade sobre a sua própria história. Dizia ele, ao me colocar diante de uma grande caixa vertical que lembrava um elevador nos fundos de sua oficina. Dentro dela o revestimento das paredes era espelhado e havia um painel de controle, onde era possível digitar data e horário. Preocupado, perguntei: professor exatamente o que é isso? Isso, meu caro, é uma máquina do tempo. Por ela podemos viajar na história, basta escolher a data e o horário que deseja visitar. Neste momento controlei o meu riso devido ao respeito, entretanto, não parava de pensar no quanto aquilo me soava absurdo.
— Como uma pessoa pode viajar no tempo em segurança através disto? Penso que tal coisa é muito arriscada, pois viajar no tempo significa alterar os fatos históricos. A história da vida é escrita segundo as nossas escolhas e decisões.
— Sim! Você tem razão, tal coisa é possível. Porém, você já pensou o quanto importa revisitar o passado para compreender o presente e, quem sabe, construir um futuro melhor? A psicologia chama isso de ressignificação da própria história para que um indivíduo possa reorganizar os próprios pensamentos e emoções sobre si mesmo.
Eu chamo de mergulho profundo pela ciência humana. Agora eu lhe pergunto, com base que viver também é um grande risco, o qual envolve variáveis positivas e negativas, levantadas pelas nossas escolhas e decisões, ainda assim vale a pena encontrar sentido na vida. Todos os dias acordamos para viver uma aventura, sem roteiro, o que nos impulsiona a sair da cama é a vontade de fazer a diferença e melhorar a nossa própria história.
— Então, você está disposto a viajar comigo nessa aventura?
Com um argumento desses, fui incapaz de dizer não, parte de mim continuava receoso diante do absurdo, não imaginava as consequências disso. Mas a confiança na articulação das palavras de meu amigo e minha curiosidade jornalística disse sim.
— Sim! Como faremos isso? Na cabine, vejo que há um painel de controle numérico, mas imagino que para visitar a história não vamos ficar presos nela o tempo todo, e para voltar para casa? O que faremos?
— Usaremos este relógio de pulso especial que eu criei, ele é conectado à cabine por sinal de bluetooth, uma vez que você digite data e hora nele, ele lhe teletransportará para o lugar que estiver pensando. Além de conectado à cabine, ele está sintonizado aos seus pensamentos à medida que você o estiver usando.
Por tanto, cuidado para não o perder e cuidado com a qualidade dos seus pensamentos, enquanto estivermos nessa viagem, precisamos dominar nossos pensamentos, mantendo-os numa frequência positiva e elevada, para evitar um desastre na história da humanidade. Veja bem! Não falo sobre evitar um problema na sua história de vida ou na minha, mas da vida humana. Você pode não acreditar, mas estamos todos conectados à humanidade e a todo o universo!
Continua no próximo texto…
Essa é uma série de contos fictícios de mistério e aventura. Enquanto o próximo conto não é publicado, leia:
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Karina Sant'Ana
Uma mulher com alma de escritora. Jornalista, produtora de conteúdo para web, freelance em comunicação interna e marketing digital.