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INTERVALO

Adoção

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No Brasil existem 4910 crianças e adolescentes esperando serem adotados. Durante muito tempo a preferência entre as pessoas adotantes foi por indivíduos recém-nascidos.  Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA-2019).

Algumas adoções acontecem de forma inusitada, são fatos que não constam nos registros do Estado brasileiro. 

14 de agosto de 1982. Ele entra em casa, como sempre fazia no fim da tarde, vinha para jantar. Entretanto, hoje a situação era diferente, ele adentrou seu lar carregando uma menina recém-nascida. Sua esposa ao recebê-lo perguntou surpresa:

— Quem é esta criança? É minha filha, ele respondeu. Internamente constrangido, como um rapaz arrependido do seu erro, confessou a esposa que a criança nascera há 12 dias, fruto de uma relação extraconjugal que ele havia tido. Ela ouviu em silêncio, atentamente. Enquanto ele falava ela pensava: “esta não é a primeira vez que ele é infiel, mas é a primeira vez que chega com um neném.”. 

Ambos se conheceram durante as comemorações de rua do tricampeonato brasileiro, em 1970. Ela tinha 46 anos e ele tinha apenas 30. Decidiram se casar em três meses de namoro, ela estava apaixonada. Ele parecia gostar muito dela. A diferença de idade entre os dois começou a ser um problema quando ele, já casado, saia para beber várias vezes na semana durante a noite. Ela ficava chateada, se sentia insegura. Ele não era mais o mesmo homem por quem ela se apaixonou. Entretanto, ela decidiu assumir a responsabilidade de ter escolhido se casar e escolheu fazer de conta que não percebia as traições do marido. Assim, passou 13 anos de matrimônio.

Após ouvir toda a explicação do marido, com um suspiro profundo ela decidiu: 

— Tudo bem! Eu cuido da menina, ela não tem culpa das escolhas erradas de seu pai. Mas a partir de hoje você não dorme mais comigo. Não seremos mais marido e mulher, seremos amigos para o bem da criança. 

Ele estava triste, mas concordou com a decisão da esposa e saiu de sua casa, na mesma noite em que ela se tornou mãe.

No passado ela cuidou de sua sobrinha, filha de seu irmão, que havia sido abandonada pela mãe. Até os 16 anos da menina. Agora tinha a primeira oportunidade de ser, de fato, mãe. Sua filha recém-nascida havia sido rejeitada por sua progenitora, pois esta tinha se recusado a cuidar da menina: não lhe amamentava, não lhe trocava e, inclusive, havia deixado a menina cair no chão. Por causa do tombo, a recém-nascida adquiriu um grave problema na coordenação motora do lado esquerdo do corpo e sofria convulsões frequentes, se não tomasse a medicação correta. Por isso, o pai da criança a trouxe para casa e decidiu confessar o seu erro.

Ela realizou seu sonho de ser mãe, porém, os desafios estavam só começando.

No hospital, em mais uma consulta de rotina com um neuropediatra, a mãe ouviu:

— Senhora sinto dizer isso, mas esta menina não vai andar. O problema dela é grave e existe a possibilidade de ela viver se rastejando. Será dependente da senhora para sempre. Ela ouviu isso com tristeza, mas não perdeu a esperança. Levou a criança em vários médicos, todos diziam a mesma coisa. Até que um dia encontrou um médico que lhe deu esperança. Ele disse que a menina era forte e que seguindo o tratamento à risca ela iria se desenvolver bem, no seu próprio ritmo. 

Ela decidiu que a menina só iria à escola quando soubesse andar. Sua filha já tinha três anos e apenas engatinhava. 

Um dia quando ela lavava louça, à beira da pia da cozinha, sua filinha brincava sentada no chão aos seus pés. Ela de vez em quando dava uma olhadinha. De repente a bolinha saiu rolando para o outro lado da cozinha, ela ficou concentrada na reação da menina. Para sua enorme alegria, a filha ficou em pé, firme, pela primeira vez sem ajuda. Ela continuou observando. A pequena não andou, saiu correndo atrás da bolinha. Em um impulso ela correu na frente da filha tirando os móveis do caminho da menina e, por fim, a filinha pegou a sua bolinha. 

Na semana seguinte, a mãe preocupada, comprou uma lousa, pôs na parede da lavanderia na altura da pequena. Ensinou sua filha a escrever seu próprio nome, o nome de sua mãe, o nome de seu pai. Ensinou-a decorar o nome da rua de casa e o próprio número de telefone. Então, ela decidiu mandar sua filha para a escola.

Os anos se passaram e a menina crescia e se desenvolvia bem: ela estudou, teve muitos amigos, se apaixonou… Tinha na mãe, sua confidente e inseparável companheira. A menina sempre pode contar com a presença de seu pai, conheceu sua mãe biológica e não gostou. Em seu coração só havia lugar para uma mãe, aquela que sempre esteve presente, Ela.

Ela foi mãe aos 58 anos, seus dias de vida foram prolongados por 33 anos. Aos 91 ela faleceu, deixando a sua filha adulta, uma mulher forte e bem desenvolvida física e emocionalmente, que hoje é jornalista.

Uma mulher com alma de escritora. Jornalista, produtora de conteúdo para web, freelance em comunicação interna e marketing digital.

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